Nunca é demais recordar, nunca é demais lutar.
A revolução é um acto de amor
A revolução é um acto de amor, amor pelo que é subjugado, oprimido, pelo que não tem voz. Primeiro vem o amor, depois o poder. Nunca o poder absoluto e totalitário, mas o poder que confere a dignidade a quem nunca teve o poder. O poder de falar, de exprimir, de gritar a revolta contida, de trazer para a rua o que apenas se confinava a um espaço interior. Assim se constrói a solidariedade, a voz interior que se encontra no outro, um outro que partilha os sentimentos, um outro que partilha a luta, um outro que partilha a palavra e a acção.
A revolução é um acto de amor porque é um encontro, um encontro de aspirações de justiça, de aspirações de igualdade, de aspirações de liberdade. A igualdade perante o outro, a voz que se ouve, que não se desqualifica, que não se sufoca, que explode em todo o seu esplendor.
A revolução é um acto de amor porque reconhece a diferença do outro, porque a integra, porque a respeita sem condescendências, sem os limites impostos pelos anos de silêncio da história, da cultura e da ciência. A revolução é um amor que grita e que rompe com todo o tipo de silêncios.
A revolução é um acto de amor e, por inerência, não pode classificar o amor. Tanto silêncio sobre um amor que não ousava dizer o seu nome, o amor entre homens, o amor entre mulheres, o amor entre pessoas. Passou tanto tempo e esse amor ainda não encontrou a rua, ainda é vivido para dentro, ainda é vivido com o medo da opressão do outro.
A revolução é um acto de amor porque transcende as barreiras do que é normativo, linear e convencional. A revolução transcende o binarismo do género, do homem e da mulher, do masculino e do feminino; rebenta com todos os rótulos e categorizações.
A revolução é um acto de amor e o amor não se esgota na lei. Não é a lei que liberta as pessoas, são as pessoas que se libertam a si mesmas dos seus preconceitos, dos seus fantasmas, das suas prisões, dos seus medos em relação ao outro. É preciso conhecer o outro, entendê-lo, abraçar sem limites a sua condição de pessoa, o seu desejo de liberdade, a sua voz.
A revolução é um acto de amor porque visa a mudança. Mudar a mentalidade, mudar a condição, mudar a vida, mudar o mundo. Um mundo onde ninguém seja perseguido em nome do seu amor, um mundo onde ninguém seja odiado em nome do seu amor, um mundo onde ninguém se prive de assumir o seu amor, um mundo onde ninguém tenha de inibir e esconder os seus actos de amor.
A revolução é um acto de amor porque o amor é a liberdade. A liberdade de existir, a liberdade de projectar, a liberdade de sentir, a liberdade de pensar, a liberdade de gritar, a liberdade de ir para a rua, a liberdade de tornar público o que é íntimo porque a intimidade é a legitimação do que se é.
A revolução é um acto de amor porque luta contra os que querem que o amor seja impossível, contra os que o querem escondido, esquecido e silenciado. A revolução é a explosão das barreiras da opressão, é o poder de inventar novas formas de ser e de exprimir tudo o que temos cá dentro.
A revolução é um acto de amor porque amamos o outro pelo aquilo que ele é e será, pela sua luta, pela sua liberdade, pela sua condição.
A revolução é um acto de amor porque transforma, muda, desafia, vive e é sempre mais do que aquilo que sonhámos. A revolução não é o poder, é a subversão do poder, é a diluição do poder, é uma aspiração libertária.
(Texto apresentado no debate intitulado Esquerdas e Movimento LGBT realizado em Oeiras no dia 29 de Maio de 2008.)
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